Lembro-me vagamente de, em tempo há muito idos, gastar muito daquele conceito que certamente ouviste falar: 'música desaconselhada para a minha etária'. Ainda nem tinha bem chegado a entrar na adolescência e já tentava decorar as letras dos Pink Floyd, abanava o capacete ao som de Metallica ou Iron Maiden, ou escutava deliciado o tom de voz hipnótico de Jim Morrison e por causa deste último, segue a prosa.
Em qualquer contentor de obra onde ganhe o meu sustento, invariávelmente acaba por existir uma conexão entre o portátil, o i-tunes e um par de colunas complementado por um subwoofer de 3ª categoria.
Mas já antes desta fase - refiro-me à quase puberdade e por inerência, à da engenharia - sentia uma espécie de chamamento... o do mar. Sabia que seria ao lado dele que iria percorrer o meu trilho nesta nossa breve - mais para uns que para outros - passagem terrena. Começaram então a circular umas velhas fitas de VHS com aquilo que seriam os primórdios do surf... uns filmes com longboards e outros com ancestrais pranchas de design... peculiar. Um deles retratava uma viagem à Indonésia a uma ainda quase virgem e selvagem ilha de Bali. E a música que ora aqui, ora ali ía adoçando os já de si paradisíacos frames era esta que ouves.
Entretanto já lá fui ao outro lado do mundo ver aquilo com os meus olhos - os tais que a terra há-de comer - e a tal música continua presente na minha vida. Surfei algumas das melhores ondas com que alguma vez me cruzei... adrenalina e prazer puro e duro mas bastante afastado do conceito do imortal e malogrado Morrison.
Há uma calma que me assola a mente quando a escuto - talvez pelo som da chuva. Depois é aquele tom mórbido de pseudo jazz num bar fumarengo à beira rio, onde um triste intérprete chora mágoas, terrores e aconselha à sobrevivência. Mas é bom ouvi-lo - sabendo que estamos distantes dessa realidade - enquanto bebericamos um bom cálice de Porto... ou observamos ondas que sucessivamente penteiam bancadas de coral em uníssono com um qualquer predestinado.
Até quando se labóra afincadamente a tal da música cai bem... a prancha está longe mas a mente permite-se alcançá-la. Fecho os olhos e a fita de há 25 anos atrás percorre-me o tardoz das pálpebras. Confesso-te que almejo o fim desta que parece eterna sexta feira pois amanhã volto lá... não a Bali e às suas águas cálidas, mas ao sal que me alimenta a alma. Em água fria claro. Sob alguma chuva concerteza... mas pelo surf vale a pena.
(Quase) tudo por ele.
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